Capítulo 3
A Lei do Sentido Comum
ESTUDOS EM HERMENÊUTICA
BÍBLICA
Leis Básicas de Interpretação da Bíblia
Reescrito Postado por Irmão Luiz
Escrto e Publicado por
Pr. Davis W.
Huckabee
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O que se quer dizer com
essa lei é que onde certa palavra é usada nas Escrituras, deve-se entendê-la em
seu sentido mais comumente aceito em todo caso onde é possível. Pensando um
pouco perceberá a razão para essa Lei.
Se Deus tivesse a intenção de dar uma
revelação de Si mesmo à humanidade, é esperado que Ele a daria em palavras que
o homem pudesse entender facilmente, e não encobrir o sentido em termos
misteriosos e desconhecidos.
A Palavra de Deus é chamada de "revelação" (grego
apokalupse), porque revela Sua vontade e caminho ao homem. Se Sua palavra
tivesse o objetivo de esconder Sua vontade e caminho ao homem, teria sido
chamada apocriypha " algo escondido " que jamais é o caso.
Conforme
observamos antes, Deuteronômio 29:29 deixa claro que "As coisas
encobertas são para o SENHOR, nosso Deus; porém as reveladas são
para nós e para nossos filhos, para sempre, para cumprirmos
todas as palavras desta lei". E o Senhor dá testemunho de Sua determinação de
revelar Sua verdade em outros lugares. "Certamente o Senhor DEUS não fará coisa
alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas".
(Amós 3:7) Essas duas passagens assim mostram que o que Deus revela ao homem é
bem pertinente a ele, e o que é mantido em segredo dele não tem nenhuma
relevância para ele, nem é ele responsável por isso.
A obscuridade deliberada é
impensável numa revelação. Mas se essas coisas são
assim, então é óbvio que ao dar uma revelação de Sua vontade ao homem, Deus não
obscureceria deliberadamente o sentido dela, mas a apresentaria nos termos mais
claros necessários para o homem entendê-la.
Se fosse de outro jeito, não se
poderia fazer com que o homem prestasse contas por conhecê-la, pois até mesmo a
lei humana reconhece o princípio, e declara que nenhuma lei obscura tem alguma
força obrigatória.
Se cremos que a Bíblia é a revelação de Si mesmo e Sua
vontade ao homem, então devemos também crer que ela será expressa em termos que
o homem possa entender. E certamente indicam isso as centenas de exemplos em que
as Escrituras dizem "Então falou Deus todas estas palavras", ou "veio a palavra
do Senhor", e outras declarações semelhantes que indicam que o que é entregue é
compreensível àqueles a quem é falado.
Por esse motivo não
temos a liberdade de entender qualquer palavra em qualquer sentido, exceto seu
sentido mais natural e comumente aceito, exceto em raras exceções, que
consideraremos mais tarde neste estudo.
Alguém bem disse: "Se o sentido comum de
uma palavra faz sentido, então não busque outro sentido". A tolice de fazer de
outro jeito foi mostrada nos primeiros dias da história cristã, pois até hoje o
entendimento de muitas pessoas acerca das Escrituras foi arruinado pelas
interpretações loucas que certos antigos comentaristas da Bíblia aplicaram às
Escrituras. Orígenes (c. 185-254) de Alexandria, um dos tão chamados "Pais da
Igreja", popularizou a espiritualização até mesmo dos textos mais simples
e ensinando que eles sempre tinham algum significado misterioso e oculto que não
era óbvio ao crente comum. Seu método de descartar até os ensinos mais claros
foi seguido por alguns em todas as gerações.
É claro, o ego do pregador se sente
bajulado se ele puder afirmar achar nos textos simples o que não é evidente para
ninguém mais, e isso explica, em grande parte, a popularidade de tais meios não
bíblicos de lidar com a Bíblia. Um desejo orgulhoso de obter glória para si é
sempre uma tentação para qualquer um, inclusive pregadores.
Tendo dito isso,
deve-se reconhecer que há partes das Escrituras que têm sentidos simbólicos ou
representativos, pois o próprio Senhor e Seus escritores inspirados às vezes
mostram isso. Mas devemos ter o cuidado de não inventar tais interpretações, e
principalmente nunca ir atrás de tal modo de interpretação que menospreze o
sentido literal do texto.
Mais que freqüentemente,
a única razão para não se querer entender uma palavra ou texto em seu sentido
mais comumente aceito é que essa palavra ou texto entra em conflito com
preconceitos pessoais. Podemos usar como exemplo principal disso a controvérsia
que se travou durante os últimos quatro ou cinco séculos por causa das palavras
gregas que são traduzidas "batizar" e "batismo", na maioria das versões do Novo
Testamento.
Durante os primeiros treze séculos ou mais dessa era ninguém
questionava o fato de que essas palavras gregas significavam o ato de imergir ou
imersão. Essas palavras sempre tinham a ver com a introdução de alguém ou
algo numa solução ou material penetrável. Era uma verdade clara como o sol.
Mas
começando no século catorze muitas igrejas começaram a se afastar da imersão
como o modo correto da ordenança cristã como o pré-requisito de ser membro da
igreja. E quando os batistas da época as desafiaram nessa questão, elas tentaram
justificar seu afastamento pondo em dúvida os significados comuns das palavras,
e essa prática tem continuado até hoje entre os desobedientes.
Contudo, poucos eruditos
religiosos de qualquer renome arriscarão sua reputação negando que o sentido
básico dessas palavras é de imergir, mergulhar, abluir-se ou submergir.
Quando
este escritor estava preparando seu livro texto "Estudos Acerca da Verdade da
Igreja" alguns anos atrás, ele pesquisou literalmente centenas de
testemunhos dos léxicos gregos, acadêmicos gregos, comentaristas bíblicos,
professores de seminários, e outros com relação a esse assunto.
Ele descobriu
que antes dos últimos cem anos aproximadamente, só dois nomes importantes
negavam que esse fosse o sentido mais comum de baptizo e baptisma.
Um desses foi um conhecido teólogo que por sua própria confissão não era um
especialista em línguas.
O outro era o renomado Léxico Grego Liddell e Scott.
Mas eles receberam tantas críticas de todas as áreas do Cristianismo por darem
"aspergir" como um sentido possível, que em sua edição seguinte, eles o
removeram completamente e não lhe fizeram nenhuma referência.
Os acadêmicos
sinceros são compelidos a admitir que a imersão é o sentido principal dessas
palavras.
Muitos pregadores
modernos, em seu esforço para justificar sua prática não bíblica de aspergir ou
derramar e chamar isso de batismo, têm tentado voltar atrás no sentido
secundário e metafórico dessas palavras gregas, que podem ser "cobrir
completamente".
Mas até mesmo isso não lhes dá nenhum consolo ou ajuda, pois o
sentido metafórico ainda se baseia no sentido literal da palavra e não pode ser
oposto em sentido a ela. Em nenhum outro caso que conhecemos o sentido comum de
uma palavra é mais bem estabelecido, ou a tolice que acompanha o ato de se
afastar do sentido comum mais evidente, do que no caso do mandamento do batismo.
Assim, isso ilustra a grande importância na interpretação bíblica de perseverar
no sentido principal das palavras bíblicas.
Nem é o batismo o único
exemplo da violação desse princípio, pois a palavra grega que é traduzida
"igreja" (ekklesia) tem da mesma forma sofrido muito abuso, resultando no
que é quase mundialmente ensinado com um falso sentido.
Essa palavra grega
deriva-se de ek, fora de, e kaleo, chamar. Como verbo, significa
convocar, e foi comumente usado desse jeito no grego. Como substantivo,
refere-se a "uma assembléia convocada", e jamais é usada no Novo Testamento ou
na versão grega do Antigo Testamento, nem nos apócrifos com qualquer outro
sentido.
A idéia de uma igreja visível e universal nunca foi apresentada
até dois ou três séculos depois de Cristo, e quando foi apresentada, veio de
homens arrogantes e ambiciosos que desejavam ser senhores soberanos sobre mais
do que as assembléias locais. E mais incoerente ainda, a idéia de uma igreja
invisível e universal é de época bem recente, sendo inventada nos dias da
Reforma.
Contudo, um cristão hoje será isolado como um completo herético se ele
apenas expressar dúvida acerca da "Igreja" sendo universal. Essa questão é
tratada extensivamente no volume um da mencionada obra do autor
acima.
Mas dissemos que em
raros casos seria justificável afastar-se do sentido principal de uma palavra e
aceitar um sentido secundário. Sob quais circunstâncias isso seria assim"
Somente se o sentido principal de uma palavra, se aceito, se chocasse
violentamente com alguma outra doutrina ou interpretação.
Mas isso será um
acontecimento bem raro. Muito mais comumente, quando isso parece ser o caso,
ver-se-á que é um conflito inventado, feito a fim de justificar o ato de
deixar o sentido principal, ou então o conflito evidenciará que uma ou outra das
duas interpretações aparentemente em conflito é errônea.
E como dissemos, tal
exemplo em que temos justificação para deixar o sentido principal em troca de um
sentido secundário será bem raro. No entanto, isso ocorre em raras ocasiões, mas
mesmo então, tal troca jamais contradirá o sentido principal, nem lhe será
contrário, a menos que a palavra tenha um prefixo ou uma partícula adversativa
ligada a ela que a contradiga, que é comumente feito. Mas isso confirma o
sentido principal de uma palavra em vez de justificar um afastamento do
sentido.
Muitas vezes supõem que
a Bíblia foi escrita em tal linguagem técnica que as pessoas comuns não podem
entendê-la, e conseqüentemente que os únicos intérpretes confiáveis da verdade
bíblica são aqueles com um título de doutor.
Na realidade, a verdade é quase o
oposto, pois as pessoas comuns, se nasceram de novo e são habitados com o
Espírito de Deus, geralmente entenderão as palavras das Escrituras em seu valor
mais aparente, e daí não buscarão ir além do sentido comum dos termos. Por outro
lado, os que são "doutores da lei" (e não estamos condenando a educação nem os
títulos em si) têm a tendência de ficar insatisfeitos com o sentido
básico de uma palavra, mas querem se aprofundar mais do que o sentido
superficial, e o resultado é que eles se inclinarão a ignorar o sentido comum.
A
educação formal é boa, e todo cristão deve se esforçar para obter tanto quanto
puder. Mas a tragédia é que em muitos círculos religiosos, acham erradamente que
a posse de um título ou dois automaticamente signifique que uma pessoa é um
homem espiritual, e tal não é o caso.
O mundo religioso está cheio de religiosos
sem salvação que têm muitos títulos elevados, mas não têm percepção para
entender a verdade espiritual. Independente de quantos títulos o homem natural
tenha, ele não entenderá a verdade espiritual, 1 Coríntios 2:14.
Às vezes o próprio
orgulho influencia o desejo de trazer indiferença ou questionamento do sentido
comum de uma palavra nas Escrituras, e isso já levou a alguns dos maiores
debates e conflitos sobre palavras.
E é interessante que o grego logomacheo
de onde extraímos nossa palavra em português "logomaquia" (ser contencioso
sobre palavras) se acha no contexto imediato da admoestação de Paulo a Timóteo:
"Procura apresentar-te a Deus aprovado", etc., pois está escrito: "Traze estas
coisas à memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham
contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para perversão
dos ouvintes." (2 Timóteo 2:14) Aliás, Paulo várias vezes avisa contra contendas
acerca de palavras, 2 Timóteo 2:23; Tito 3:9.
E ele declara que essas contendas
acerca de palavras brotam do orgulho e ignorância. "Se alguém ensina
alguma outra doutrina e se não conforma com as sãs palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo e nada
sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras, das quais nascem
invejas, porfias, blasfêmias, ruins suspeitas, contendas de homens corruptos de
entendimento e privados da verdade, cuidando que a piedade seja causa de ganho.
Aparta-te dos tais". (1 Timóteo 6:3-5)
E não desejamos ser
mal-entendidos aqui, como se fossemos contra a formação educacional, ou o estudo
das línguas originais ou os sentidos mais profundos das palavras bíblicas, pois
essas são todas boas coisas, e devem ser buscadas.
Mas deveria ser evidente para
todos que as palavras da revelação de Deus devem ser adequadas para os
ignorantes, e não os sábios, quando consideramos que ""não são muitos os sábios
segundo a carne" que são chamados". (1 Coríntios 1:26)
Pois ao chamar Seu
povo do meio dos ignorantes, fracos e ignóbeis, Deus deve necessariamente
escolher as palavras da chamada em termos simples e fáceis de entender.
Foi por
esse motivo que Paulo não deu muita importância para falar línguas estrangeiras
entre os coríntios, pois não lhes era proveitoso, a menos que se empregassem
palavras fáceis de entender.
"Assim também vós, se com a língua não
pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz" porque
estareis como que falando ao ar." (1 Coríntios 14:9)
Ao interpretar as
Escrituras, devemos primeiramente reconhecer que elas são uma revelação da
Pessoa e vontade de Deus ao homem, e portanto são expressas em terminologia
humana comum. Não devemos desnecessariamente complicar sua mensagem aplicando
sentidos incomuns a suas palavras. O orgulho do intérprete da Palavra poderá
ficar exaltado se parecer que ele tem a capacidade de descobrir muitas verdades
misteriosas a partir de uma Escritura aparentemente simples e aberta.
Contudo,
isso não servirá para a edificação dos ouvintes comuns, o que é o mais
importante. Que os frutos amargos do método de Orígenes de espiritualizar até
mesmo os textos mais simples das Escrituras nos sejam de aviso contra tais
práticas.